Vamos crescer com os mesmos paradigmas? (A Economia das Plataformas, novos paradigmas de crescimento)

Será que o que temos que fazer é o bom e velho planejamento estratégico, ou está na hora de desenhar o crescimento? Como fazer isso? Como dominar e aplicar metodologias para crescer neste contexto mutante?

Há algumas semanas escrevi um texto que questionava o porquê de, não as Operadoras, mas as plataformas (como Netflix, Google, WhatsApp, etc.), estarem efetivamente usufruindo da Internet e tendo ganhos. Havia explorado a questão das operadoras para demonstrar que o século XX foi o século movido pelo domínio da energia e da implantação de infraestruturas; e que o XXI será o século que terá e economia da informação como motor de crescimento. Migramos do paradigma de posse para o paradigma de compartilhamento de ativos, e de alguns modelos de crescimento linear para exponencial.

Nestes últimos anos os modelos de plataforma sugiram com toda a força, Uber, AirBnB, (até Tinder, de certa forma) tornaram-se plataformas bem conhecidas. O comércio eletrônico evoluiu e os canais de vendas híbridos, que integram vendas pela Internet com logística de varejo físico, passam a alcançar melhores métricas de eficiência logística. Novos modelos de gestão surgem, e os modelos tradicionais evoluem e se mantém. Muito se fala em Business Design, na mudança de mais um paradigma, o da estratégia de design de produto para o de design de negócio, uma metodologia mais compatível com os modelos de negócio baseados em plataforma.

Planejar crescimento demanda visitar pelo menos três aspectos da nova economia baseada em informação:

  1. O paradigma do modelo de negócio: Pipeline (gestão da cadeia de valor) versus Plataforma (Gestão da Interação direta entre fornecedores e clientes viabilizada por uma plataforma de conexão.
  2. O paradigma da logística da plataforma versus a logística da cadeia de valor.
  3. O Desenho de negócio, como gerenciar novos modelos de crescimento.

Estamos mais habituados a tratar crescimento dentro do modelo de pipeline, onde um negócio gerencia todas a atividades dentro da sua cadeia de valor, quais sejam: concepção e desenvolvimento de produto, fornecimento de partes e componentes, fabricação e montagem, venda e entrega, capacitação e suporte. São exemplos conhecidos os sistemas de manufatura terceirizada muito utilizados por Apple e Nike (as “fabless companies” – empresas sem fábricas); ou o dos “sistemistas”, fornecedores que entregam conjuntos completos e funcionais na indústria automobilística, ou ainda: empresas eletrônicas Brasileiras se suprindo de operações CKD com produtos OEM e ODM fornecidos por industrias estrangeiras. Em suma, partes da cadeia podem ser feitas por terceiros, mas a gestão dela toda é a gestão do negócio.

(Nota: OEM, Original Equipment Manufacturer – quando um fabricante fornece produtos que serão vendidos por outro fabricante com sua própria marca; ODM, Original Design Manufacturer – Quando um fabricante desenvolve um produto, licencia e habilita outro fabricante a produzi-los; CKD, Complete Knock-Down – quando um fabricante reúne em um conjunto todas as partes e peças necessárias para fabricar um produto e os envia para montagem em outro local).

Geralmente buscamos definir novas direções de crescimento dentro da própria cadeia de valor, assumindo mais fases da mesma (“verticalizando”); ou usando nossas capacidades para explorar novos mercados (“horizontalizando”), geralmente a partir de nossos próprios ativos, seja colocando novos produtos no mesmo canal, explorando novas geografias ou introduzindo novos produtos que nossa engenharia e fábrica aprendem a fazer.

Sabemos gerenciar vendas, marketing, suprimentos, logística, enfim, dominamos este modelo, mas como é fazer isto num modelo de plataforma? Aliás, o que é um modelo de plataforma? Em primeiro lugar não é algo novo; plataforma é simplesmente uma infraestrutura que conecta produtores e consumidores, criando as condições que permitem essa interação, exemplo: os Shopping Centers. Eles criam o ambiente que atrai consumidores para um local em que vale a pena estar presente para vender.

Agora, o que acontece se este “shopping center” é a Internet? Essa é que foi a mudança, realmente. A tecnologia de informação permitiu a criação de plataformas que dependem muito pouco de estruturas físicas para estabelecer essa conexão entre produtor e consumidor. E ainda criou produtos que são simplesmente “bits”, informação. Explico.

A Apple, quando produz seus i-Phones, está no modelo da cadeia de valor, fazendo ela própria o design, a concepção, o marketing e a comercialização, e deixando para fabricantes terceirizados a produção dos aparelhos. Mas a mesma Apple, quando está vendendo músicas e aplicativos através do i-Tunes, está atuando no modelo de plataforma, pois ela criou a plataforma (i-Phone + IOS + i-tunes) que permite que estes produtores de mídia e de aplicativos vendam online seus produtos para a comunidade de usuários. E é IMPORTANTE salientar: os usuários não são do i-Phone, mas da PLATAFORMA. (Desculpem-me pelas maiúsculas, me entusiasmei.)

E notemos que esta plataforma só vende “bits”, músicas, filmes, aplicativos, enfim, mas são … “bits”, ou, melhor ainda, “bytes”. Mas o mundo é físico e as plataformas que exploram ativos físicos estão aí para mostrar a validade do modelo: de compartilhamento temos Uber a AirBnB, de vendas temos Amazon, Netshoes, Booking.com, enfim.

Qual modelo é mais complexo? Aquela da Plataforma com certeza, por duas razões pelo menos:

  1. A rede de conexões não é linear, é multidimensional, podemos ter centenas ou milhares de fornecedores de um lado e milhões de clientes do outro, transacionando através da nossa plataforma. O marketing não está mais sob nosso controle, as redes sociais se encarregam de “viralizar” a experiência, e o crescimento pode ser abrupto e exponencial. Não é um pipeline, são duas malhas interagindo e criando novas conexões entre si. É um ecossistema com vida própria e não “apenas” uma cadeia de valor. Mas os ativos comercializados são físicos, ou são serviços que dependem de ativos físicos (vagas em hotéis ou aviões, por exemplo). Daí vem a outra razão para a complexidade: a logística.
  2. A demanda é imprevisível. O sucesso (e a sobrevivência) de uma plataforma vem da capacidade de responder rapidamente às demandas de fornecimento. Trazer um fornecedor para a plataforma implica em tê-lo hábil e responsivo. Muitos fornecedores “testam” as plataformas, alocando parte dos seus ativos para atendê-la, mas, numa demanda imprevisível pela complexidade, um crescimento instantâneo e exponencial pode romper a cadeia de valor que abastece as demandas da plataforma.

Em suma, gestão da cadeia de valor é uma excelência “interna”, num meio controlado pelos limites da própria cadeia; gestão de plataforma é uma excelência “externa”, que visa manter funcionando eficientemente uma rede cujo valor está na conveniência, no fato de facilitar a venda através da Internet. Como estes dois modelos devem operar juntos (já comentei no exemplo da Apple, acima), as empresas precisam se preparar para dominar os dois modelos, esse é o grande desafio do novo paradigma de negócio. Uma empresa que expande para os dois modelos, ou mesmo as que iniciam como legítimas plataformas, geralmente conquistam fatias de mercado (Market-share) de suas semelhantes que se mantêm no paradigma de pipeline.

Nas primeiras ondas de comércio eletrônico o que acontecia era basicamente estender o modelo de pipeline à web, costumava-se dizer que “na Internet você está a um clique de distância de qualquer loja”. A venda por catálogo ganhou uma forma online. Mas ainda baseada no modelo de comprar em volume e gerenciar grandes estoques: fazer estoque, vender o estoque, se livrar do estoque, enfim. Estes problemas, característicos de “Pipeline”, escalavam com a “plataforma”. Sincronizar o ressuprimento do fornecedor com as demandas online continuou (e continua) como desafio.

Um exemplo de comparação é Amazon com e-Bay; no início a Amazon intermediava, gerenciava a distribuição; e o e-Bay apenas colocava a oferta em contato direto com a demanda e a logística era entre eles. Enquanto o e-Bay operava “por fora” do pipeline, num modelo de pura plataforma, a Amazon podia garantir segurança no pagamento, no prazo da entrega, na gestão da devolução. A excelência interna da Amazon permitiu que ela fosse bem-sucedida com uma plataforma que entregava com confiabilidade. Ambos modelos são bem-sucedidos e servem de benchmark para os novos entrantes no mercado online.

A indústria de moda, roupas e calçados mais especificamente, é um bom mercado para analisar. Grandes e valiosas marcas baseiam-se em lojas físicas, mas precisam entrar no “popular” mercado online, marcas novas precisam chegar ao mercado, mas carecem de estrutura logística. As ferramentas computacionais, por estarem a baixo custo, permitem que muitos designers desenvolvam seus produtos, mas, “pipelinemente” falando, precisam fabricar, entregar, receber de volta, etc.

As empresas de vendas online com grandes estruturas de distribuição podem operar com multimarcas e ser canal para as novas marcas, mas essa logística complexa, com centros de distribuição concentrados, acaba elevando o custo do produto final, muitas vezes o custo de colocar os produtos no mercado e entregá-los fica maior que o do próprio produto.

Redes físicas de lojas (Neiman Marcus nos EUA, Pernambucanas e Riachuelo no Brasil, por exemplo) possuem uma grande vantagem: sua grande quantidade de lojas suporta a sua venda online na medida que elas deixam de ser apenas ponto-de-venda para serem pontos de distribuição e entrega. No Brasil vale a pena acompanhar os movimentos de lojas como Netshoes, Dafiti, Bonprix, Westwing (pelo lado da origem online) e Pernambucanas, Renner, C&A e Riachuelo (pelo lado da origem de redes físicas) e tentar entender como estas estratégias evoluirão.

A integração de modelos de distribuição centralizada com a distribuição local, através das lojas do varejo, é uma realidade, isso tem sido chamado de Omni-Channel. Esse modelo permite uma maior eficiência na distribuição e entrega e na interação com o cliente final, que se beneficia da conveniência da compra online com a segurança da possibilidade de interação física se necessário.

Neste ponto o desafio passa a ser a reposição de estoque, como realimentar estes inventários da forma mais otimizada possível, supermercados exploram bem isso. Duas metodologias ainda vão colaborar entre si para melhorar a eficiência logística: Big Data e VMI. VMI é um conceito antigo, mas ainda pouco explorado, Vendor Managed Inventory nada mais é do que o próprio fornecedor gerenciar e realimentar o estoque do cliente, típico de supermercados, que junto com os shopping centers são os precursores das plataformas. Big data é a metodologia que permite encontrar padrões de comportamento em grandes bases de dados (no caso, as transações online). Estas duas tecnologias juntas vão ajudar muito o processo de “replenishment” (ressuprimento) das lojas (físicas ou virtuais), uma definindo as tendências de demanda e a outra operacionalizando a reposição. No Brasil, a Neogrid é uma empresa que domina os conceitos de VMI desde sua fundação no final dos anos 1990.

Olhando novamente para as fábricas de bits (esse termo, bit factories, eu escutei quando trabalhava na Intel, que já antevia isso lá nos anos 90), o que vemos é o fenômeno do “streaming”: Spotify, i-Tunes, Netflix, Amazon-Kindle. Tudo isso é “streaming” ou “fluxo”, compramos fluxos de dados para nos entreter e educar. A questão agora é como fazer bem o “streaming” de sapatos, vestidos, eletrônicos, medicamentos, enfim, coisas físicas, materiais.

Está claro que os modelos pipeline e plataforma vão evoluir, em alguns casos somar-se-ão para entregar operações complexas no comercio global online. O desafio estará nas soluções logísticas implementadas. Não é simples, é complexo, a quantidade de nós interagentes nestas redes tende a aumentar e, consequentemente, aumentar a complexidade do ecossistema de negócios.

Portanto planejar e gerenciar o crescimento não cabe mais nas práticas tradicionais de “Planejamento Estratégico”, baseadas em design de produto e de cadeia-de-valor linear. Os substratos de crescimento continuam sendo os dois de sempre: a cadeia de valor e o mercado, mas a gestão da demanda da economia em rede implicará em tratar estes dois substratos de crescimento da maneira mais “científica” possível. Sinceramente me falta uma palavra melhor, mas por “científico” entenda-se que planejar crescimento é uma atividade que precisa ser abordada como um desafio de design.

Temos muitas oportunidades de desenhar expansão dentro da própria cadeia de valor, sem sequer pensar em entrar no mundo das plataformas, na realidade esse ainda é o grande substrato de crescimento inclusive. Mas todos os pipelines, de alguma forma interagirão com plataformas.

Assim, fazer o Design do Crescimento e da Expansão implicará em entender estes novos contextos e redesenhar as empresas. Os aparelhos de GPS não desapareceram, mas os aparelhos pessoais foram substituídos pelos smartphones. Os parquímetros não desaparecerão, mas em grandes centros não farão mais sentido, na medida que o pagamento e a monitoração poderá ser feito por smartphones. Os sistemas de segurança e controle de acesso ficarão melhores, mais práticos e mais inteligentes.

As redes 5G permitirão o crescimento modular das telecomunicações, não mais na mão de imensas operadoras (já são mais de 5000 ISPs no Brasil, alguns atuando como mini operadoras e operadoras virtuais). A logística georreferenciada permitirá a otimização do tráfego e das compras do dia-a-dia, com entregas inteligentes o sistema drive-tru mais práticos. As cidades ficam mais inteligentes, o dia-a-dia já mudou.

Alguns produtos já são fabricados por adição (impressão 3D) apenas depois de comprados online, fabricados remotamente inclusive, perto de quem comprou, que o adquire pela internet e passará numa loja que imprimirá o produto na hora (próteses, remédios, peças de produtos descontinuados), isto impactará inclusive nos conceitos de logística dos quais acabamos de tratar.

Cada um dos temas discutidos aqui foi tocado muito superficialmente, vou procurar trata-los individual e mais profundamente em próximos artigos. Vamos estudar juntos, precisamos olhar para 2017 com “olhos mais abertos”.

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Ronaldo Aloise Jr (aht)

Com formação em Eletrônica, Engenharia Mecânica e Eng de Software. Atuou como Diretor Executivo, CMO, CBO e COO, em empresas como HP, Intel, Dell, Baan, Datasul, HT Micron Semicondutores, Datacom e Saque e Pague.

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