Nunca se usou tanto Internet, mas os Gigantes de infraestrutura de TI estão reduzindo seus quadros e revendo suas estratégias. Nunca se usou tanto os Smartphones, mas as grandes operadoras estão em dificuldades financeiras. Afinal de contas, o que está acontecendo? O que está mudando na economia digital?
Muito se fala em 4ª revolução industrial, Internet das Coisas, etc; e no impacto econômico disso. Realmente estamos num verdadeiro ponto de inflexão de base econômica, e a economia das plataformas tem sido talvez o tema mais abordado neste momento de transição de paradigma e modelos econômicos.
Costumo dizer que o século XX foi o século de “pavimentação” do planeta, o domínio das fontes de energia (petróleo, gás, elétrica, nuclear e renováveis) permitiu a instalação de uma infraestrutura de transportes e industrial em todo o globo. Foi o século do modelo de capital intensivo, de grandes montantes investidos na frente, com expectativa de retorno garantido. E era isso mesmo, qualquer estrada de ferro, asfaltada, aérea ou naval tinha potencial de consumo garantido, afinal estávamos “pavimentando” o planeta. A última “estrada”, digamos assim, foi a digital, e essa estrada é que muda o jogo e dá a cara econômica do começo do século XXI.
Claro que apenas o mundo desenvolvido está 100% pavimentado, América do Sul, África e partes do Oriente ainda têm muito o que implantar de infraestrutura, mas, no mundo desenvolvido, o ponto de inflexão está ocorrendo rapidamente. E aí surgem as plataformas, que são novas maneiras de monetizar o parque instalado de infraestruturas. O AirBnB usa imóveis de terceiros da mesma forma que o Uber usa automóveis de terceiros; deixa-se o paradigma de patrimônio para entrarmos no paradigma de uso. Carros, bicicletas, casas, redes de Internet inclusive, tudo compartilhado e usufruído, mas não necessariamente adquirido.
Falando em Internet, um exemplo interessante de transição de paradigma é o caso das operadoras de telefonia no Brasil; entramos muito atrasados na pavimentação da estrada das telecomunicações, não conseguíamos falar no telefone porque simplesmente não haviam telefones suficientes, faltava infraestrutura. Para acelerar isso privatizaram as telecomunicações a partir de 1998, realmente acelerou. Toda uma infraestrutura foi instalada em cima de dois paradigmas: (1) investir rápida e massivamente para depois ter retorno, como é o clássico paradigma industrial de capital intensivo, e, (2), obter esse retorno através de serviços de telefonia, ou seja: paradigma de voz.
Mas por que esse caso é interessante? Porque quando a infraestrutura estava instalada, quem a ocupou não foram os serviços de telefonia do paradigma de voz, mas os de Internet; as operadoras não conseguiram “emplacar” muitos de seus serviços baseados em voz e SMS, pois WhatsApp, Facebook, Netflix, etc ocuparam as redes que nasceram como de telefonia, mas já não eram mais, e o único serviço que restou às operadoras vender foi banda larga. Pavimentaram, mas não rodaram em cima.
A ubiquidade de conectividade por mobile, mais a ubiquidade da localização por GPS, criam novas maneiras de usar a infra instalada, e aí surgem as plataformas, sistemas bimodais de assistência técnica, de segurança, de logística, cidades inteligentes, enfim, toda uma geração de empreendimentos que explora o uso mais eficiente dos ativos disponíveis. E isso vai, inclusive, influenciar filosoficamente as pessoas: porque eu preciso comprar um carro se eu posso compartilhar um? Não precisa mesmo! Se sistemas gerenciarem a disponibilidade e a agenda de uso, e as pessoas cuidarem para usar estes ativos sem danificá-los, por que possuir se basta manter, remunerar e usufruir?
Esta é a situação; economias de plataformas surgirão em cima de substratos de ativos e serviços que já estão instalados, mas poderão ser melhor utilizados, e quem faz a gestão poderá ser até melhor remunerado do quem investiu na infra. A mudança de paradigma já atinge grandes emblemas da economia, e não é de se estranhar porque as operadoras de telefonia estão em dificuldades financeiras, já que a Internet não as remunera como fora planejado, e pequenos e médios provedores ocupam seus espaços. E os gigantes do hardware veem seus clientes deixar de investir em seus antigos datacenters privados e migrarem sistemas para a “nuvem”, com estruturas muito mais otimizadas.
E mesmo os modelos de manufatura, onde surgirão produtos customizados através de técnicas de fabricação por adição (impressão 3D), permitindo a fabricação distribuída e não mais centralizada, causando grandes mudanças nos modelos logísticos de algumas empresas.
Ainda existe o que pavimentar, mas já há muito a “rodar” na estrada que já está pronta, se o seu negócio é baseado apenas em “hardware”, preste atenção, alguns negócios de hardware vão entrar em declínio, mas muitos negócios tradicionais evoluirão, usando plataformas que os atualizem para os novos modelos.
Por outro lado, negócios totalmente novos, baseados exclusivamente em plataformas de software, já estão por aí criando novos mercados. Plataformas de mídia, como a Stayfilm, por exemplo, plataformas de desenvolvimento de software a baixo custo como a Outsystems, o próprio Youtube e o Spotify, num modelo mais particular, enfim, todas estas plataformas geram novos modelos de negócio a partir do próprio público e das redes de conexão.
Mas este é um tema a explorar com carinho e profundidade, e que será assunto para um próximo artigo. Por enquanto, fica a mensagem desta “Parte 1”: o que a energia e a instalação de infraestruturas foram de força motriz para a economia no século XX, a informação será seu equivalente no século XXI. O ponto de inflexão é o da migração do paradigma do hardware e do patrimônio para o do software e do compartilhamento de ativos, e este tem um potencial exponencialmente maior de escalar mercados. Se não quisermos nos aposentar antes da hora precisamos revisar nosso modelo mental, e dos nossos negócios.